quinta-feira, 29 de setembro de 2011

RESENHA: O Motivo - Patrick Ness (Literatura de Cabeça)

Olá pessoal,
Hoje a resenha deste livro está incrível! Muito bem escrita e maravilhosa, confiram:




Frequentemente, quando pegamos novos livros nas mãos, já os pré-catalogamos com um gênero definido - romance, drama, ficção, aventura, terror... Com estas, sabemos o que esperar de cada obra e quais emoções elas irão nos transmitir.

Ocasionalmente, melhor dizendo raramente (para infelicidade dos bookaholics como eu) surge uma obra que se encontra acima de qualquer classificação. Por que? Porquê inclusa em suas páginas, visualizamos mais que um personagem, mas sim uma vida real, pulsante e fantástica, que se abre para nós. E assim como na nossa realidade, nela não há gêneros definidos. No decorrer de cada revirar de folhas choramos, sofremos, sorrimos, ficamos apavorados e pensativos. Este tipo de obra consegue transmitir a sua mensagem com excelência.

Este é o caso de O motivo, o primeiro livro da Trilogia Mundo em Caos (Editora Pandorga, 447 páginas), escrita magistralmente pelo jornalista Patrick Ness.
Apesar da capa aparentemente inocente, não se engane. Abra as páginas e deixe seus sentimentos aflorarem neste livro que foi um dos melhores do ano, na minha opinião. 

Antes de tudo, esta obra é para mim um dos primeiros livros lidos do cada vez mais em voga gênero distópico. Já sabem o que é isso?

Ao contrário da utopia, os belos sonhos que povoam os nossos pensamentos, a distopia expõe sem floreios o lado negro da história. Acaba com os conceitos do "eu desejo" e grita aos quatro cantos o "eu não posso" e todo o sombrio futuro que a raça humana caminha nesta irrevogável direção, com estruturas opressoras e populações alienadas.

Nesta trama, acompanhamos tudo pelos olhos inocentes de Todd Hewitt, um menino de 13 anos, morador de um planeta com uma biosfera extremamente parecida com a nossa. Seus pais, junto com outros adultos, saíram de uma decrépita Terra em busca de salvação da raça humana.
Acabaram encontrando um lugar propício para que todos pudessem viver. Mas também encontraram rivais a altura: os Spackles, criaturas que estavam lá antes deles, com grandes conhecimentos biológicos.

Os humanos ganharam esta disputa por território mas sofreram perdas irreparáveis - todas as mulheres morreram devido a uma arma biológica disparada pelos Spackles. E os homens contraíram o Ruído (para mim uma das melhores sacadas da obra) uma consciência coletiva, onde todos compartilham os pensamentos, acabando com todos os segredos que a mente humana pudesse guardar.

É em meio a este cenário que Todd vive sua história. Prestes a se tornar um adulto aos 13 anos, ele é a última criança da colônia onde vive e divaga neste universo à parte do começo da maturidade, junto ao seu cachorro Manchee. 

Preciso abrir uma brecha aqui para falar deste cão fenomenal. Nesta nova Terra os animais falam! Isso mesmo! E Manchee é um caso à parte, trazendo todo o lirismo e poesia para a trama. Como frases curtas e sucintas, mesmo nas piores horas ele prova seu amor incondicional à Todd.

Os olhos de Todd se abrem para a vida real quando, buscando frutas na floresta para Ben e Cillian, seus pais adotivos, percebe no meio da mata uma falha no Ruído. Uma súbita presença que se move a sua frente, mas pela primeira vez, ele não consegue sentir nada. 
Esta presença é Viola, uma intrépida garota  que vai destruir tudo o que Todd imaginava saber... Afinal, todas as mulheres não haviam ficado doentes e mortas? E porquê ele não conseguia ouvi-la no ruído?
Ele começa a ser perseguido e só resta a ele fugir com Viola e Manchee em busca de respostas. Repentinamente, pensar pode ser perigoso demais. A cada passo sua inocência vai se perdendo e ele começa a ver as pessoas e o planeta que vive como realmente são e como o seu papel pode ser importante para que a verdade prevaleça.
Se eu tivesse que definir O motivo em uma palavra seria... PUTZ! A trama me deixou sem palavras pela sua riqueza de detalhes em emoções e sentimentos, tanto bom quanto ruins, sem se tornar maçante. Todos os personagens são bem delineados e cumprem o seu papel muito mais que o leitor espera. 
A descrição de paisagens e animais próprios do planeta são fantásticos. Criamos em nossa mente cada detalhe com perfeição, embarcando nesta viagem ficcional incrível. Cada detalhe é exposto aos poucos ao leitor, sem delongas, mas dando o clima de tensão certo. Mas do que um livro multigênero, é uma obra sobre a perda da inocência e por isso o leitor vai descobrindo cada detalhe junto a Todd, convertendo seus sentimento em dor, choque, maravilha ou terror, de acordo com o correr da história.
Seguindo esta mesma metáfora, os vilões da trama carregam dentro de si aquilo que temos de pior em um universo em caos. Neles o poder, o fanatismo religioso e tantas outras maldades de que somos capazes afloram e nos causam arrepios na pele. O leitor fica estarrecido, chocado e morto de medo com cada um deles, porque fitá-los é olhar em um espelho embaçado que realça ao extremo nossos piores defeitos. É sempre tenebroso quando a escuridão nos olha de volta...
Os três personagens principais brigam com este conceito mal, vivenciando as dores de aprender com a dor em um mundo mergulhado no caos absoluto. Em graus variados, Todd e Viola expõe isso de maneira tão humana que nos emociona. Agora Manchee é aquela bondade incondicional, que mesmo ao cometer um ato violento, faz sem maldade, apenas por amor...
Mesmo que percebamos só em determinados momentos, estas dualidades são uma crítica feroz e mordaz ao que temos dentro de nós e por pior que pareça, aquilo de humano que estamos perdendo.
Um ponto que gostaria de frisar nesta edição, ao qual parabenizo imensamente, é a competência da tradutora Marcelle Barros Soares. Ela teve o tato de dar vida ao Todd, com primor. Porque ao traduzir as falas deste menino de 12 anos, semianalfabeto, ela coloca todos os seus erros e falhas de linguagem obrigatoriamente. Então escreve-se cimitério em vez de cemitério, erros de concordância e outras falhas coloquiais de linguística, mostrando o cuidado em dar vida ao personagem com todas os seus acertos e erros.
Gente, o que mais posso falar desta obra-prima?
Sem mais delongas, leia e descubra você também porque ele é impressionante...


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